As duas empresas sob suspeita de corrupção em licitação da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) já receberam ao menos R$ 911 milhões do governo do Pará, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR).
A J.A Construcons e JAC Engenharia estão em nome de pessoas ligadas ao deputado federal Antônio Doido (MDB-PA) e têm suas contas bancárias como origem dos saques milionários feitos pelo policial militar Francisco Galhardo.
O PM Francisco Galhardo foi preso ao sacar R$ 5 milhões às vésperas das eleições municipais de 2024. O material encontrado em seu celular levou a PGR a suspeitar de corrupção em uma licitação da COP30 realizada pelo governo do Pará.
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Além da licitação sob suspeita de corrupção, a J.A Construcons integra o consórcio Canal Benguí ao lado da empresa OCC Participações e Construções.
O consórcio venceu a licitação para “Adequação dos Canais Bengui, Nova Marambaia e Rua das Rosas (Mangueirão)” com a proposta no valor de R$ R$ 123,3 milhões, em agosto de 2023.
De acordo com a PGR, entre 2020 e 2024, as empresas tiveram cerca de R$ 1 bilhão em notas empenhadas pelo governo do Pará. Desse total, R$ 911 milhões já foram pagos, segundo a Procuradoria. O estado é governado por Hélder Barbalho (MDB).
“De acordo com os dados constantes do Portal de Transparência do Pará¹, entre os anos de 2020 e 2024, o Estado do Pará emitiu 460 notas de empenho à sociedade empresarial J. A Construcons Civil Ltda. e suas anteriores denominações. As notas emitidas totalizam R$ 1.010.259.449,00, em valores empenhados, e R$ 911.431.050,00, em valores efetivamente pagos”, diz a PGR.
A PGR cita dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, para expandir as possíveis irregularidades relacionadas às duas empresas.
Segundo o Coaf, a movimentação financeira das contas da J.A Construcons “sugere a ocorrência de desvio de recursos públicos e/ou fraude em processos licitatórios”.
“Suspeitamos de um consórcio de empresas, possivelmente utilizadas para desvincular origem e destinatário final dos recursos, os quais, ressaltamos, a possibilidade de desvio de recursos públicos e fraude em licitações”, diz o Coaf.
Embora a sócia formal da empresa seja a esposa de Antônio Doido, a PGR afirma que ela atua como pessoa interposta do marido.
“Registre-se que a intensificação da movimentação financeira da empresa iniciou-se em março de 2020, marcada pela emissão de notas de empenho do governo do Pará”, afirma a PGR.
Organização criminosa
A PGR, ao pedir a investigação do deputado Antônio Doido, do PM Francisco Galhardo e do secretário de Obras Ruy Cabral, afirma que as empresas J.A Construcons e a JAC Engenharia integram um suposto esquema de corrupção em contratos do governo do Pará.
“Além de as duas pessoas jurídicas que formam o consórcio serem suspeitas de pertencer ao deputado federal (Antônio Doido), diversos elementos circunstanciais adicionais reforçam a suspeita de corrupção de agentes públicos para viabilizar a adjudicação da obra”, afirma a PGR.
Os “elementos circunstanciais adicionais” citados pela PGR são conversas encontradas no celular do PM Francisco Galhardo.
Segundo a PGR, Antônio Doido, Galhardo e o secretário do governo do Pará “aparentam integrar organização criminosa voltada à prática de crimes contra a administração pública e violações em processos de licitação e contratos administrativos, predominantemente no estado do Pará”.
“Adicionalmente, foram identificadas evidências do cometimento de delitos eleitorais e transgressões contra o sistema financeiro nacional”, diz a PGR.
Tenente-coronel da PM do Pará Francisco de Assis Galhardo do Vale
Suspeita de corrupção
No pedido, a PGR cita conversas que indicam a entrega de valores ao secretário de Obras Públicas do Pará, Benedito Ruy Cabral, no mesmo dia em que um consórcio formado pela J.A Construcon e JAC Engenharia venceu licitação no âmbito da COP30.
A licitação sob suspeita era para execução da Perna Norte da rua da Marinha até o Canal Bengui, no município de Belém.
Em 20 de setembro de 2024, o consórcio Perna Norte, formado pelas empresas JAC Engenharia e J.A Construcons, venceu a licitação ao oferecer R$ 142 milhões. No mesmo dia, o PM Francisco Galhardo sacou R$ 6 milhões de reais na agência do Banco do Brasil de Castanhal (PA).
Após o saque, segundo mensagens citadas pela PGR, o PM tentou ligar e conversou por mensagens com o secretário. Por fim, após as conversas, os dois se encontraram quatro dias depois de as empresas vencerem a licitação.
Defesas
Procurado pela coluna, o governo do Pará disse em nota que “as empresas J.A Construcons e JAC Engenharia celebraram contratos com a Administração Estadual exclusivamente por meio de processos licitatórios regulares, conduzidos de acordo com a legislação vigente e os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, estando toda a documentação disponível nos portais oficiais de compras públicas”.
Sobre as citações ao secretário Ruy Cabral, a nota afirma que, no “exercício de suas funções”, o secretário “mantém interlocução institucional com órgãos da Administração Pública e representantes da sociedade civil exclusivamente para a consecução do interesse público, não se estendendo a qualquer espécie de relação de natureza privada”.
“Jamais foram celebrados contratos ou mantidas relações comerciais com integrantes da Polícia Militar do Estado do Pará, o Secretário não participou de reuniões com o policial mencionado, tampouco recebeu bens, valores ou benefícios de tal agente, e não foi notificado acerca de qualquer investigação ou procedimento administrativo ou judicial que o envolva”, diz nota.
O governo afirmou ainda que “não possui ciência de qualquer investigação originada a partir das contratações citadas e que, caso seja formalmente notificado, colocará imediatamente todos os mecanismos de controle interno à disposição das autoridades competentes, assegurando a pronta elucidação dos fatos”.
A defesa do deputado Antônio Doido disse em nota que “repudia o vazamento de informações sigilosas de investigações em curso no STF e adotará medidas destinadas à responsabilização dos responsáveis pelo criminoso vazamento”.
“Acerca dos questionamentos formulados, todos eles são fruto de ilações e já foram devidamente esclarecidos nos autos. O Deputado já se colocou à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos solicitados e tem tranquilidade em relação a todos os atos por ele praticados no curso do seu mandato parlamentar”, disse a defesa de Doido.
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Dinheiro apreendido com PM ligado ao deputado Antônio Doido (MDB-PA)
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Foto dos R$ 380 mil encontrados em veículo na porta de agência bancária após ordem de Antônio Doido
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Dinheiro apreendido com PM ligado ao deputado Antônio Doido (MDB-PA)
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O deputado Antônio Doido (MDB-PA) na Câmara dos Deputados
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Deputado Antônio Doido (MDB-PA)
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Ruy Cabral, secretário de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas do Pará
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O deputado Antonio Doido (MDB) ao lado secretário Ruy Cabral, em janeiro deste ano
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Secretário de Obras Públicas do Pará, Ruy Cabral, à esquerda, ao lado do deputado Antônio Doido (MDB), em registro feito em outubro de 2024
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